PASSEATA E ESPERANÇA
Tereza Kawall
Vivemos nos últimos anos uma
espécie de aventura num tobogã emocional ( para muitos um trem-fantasma) com o
desvelamento de infinitas e contínuas ações espúrias e obscenas dentro das instituições
do nosso pais, vale dizer, os três poderes, bancos, grande empresários e muitos
outros agentes da nossa sociedade. Diariamente ainda ficamos chocados com
notícias que nos falam de um assalto contínuo e generalizado aos cofres do
país, e cujos valores estratosféricos escapam à nossa contabilidade cotidiana.
A sensação de impunidade ainda é altíssima, e nosso ir e vir tem sido
restringido pelo medo da falta de segurança nas ruas, ter tantas outras mazelas
sociais.
A Internet e celulares em todas as mãos fizeram acelerar esse processo
de forma exponencial. Uma avalanche de informações mais transparentes a
respeito do modus operandi da classe
política nos obrigou a definir posições mais objetivas e a defendê-las, com
maior ou menor intensidade. Uns de forma mais agressiva e contundente; outros,
de maneira mais light ou mesmo isenta. E outros, por receio de exposição face à
constrangimentos profissionais, mantém suas posições de forma mais reservada.
Há que se respeitar todas as
maneiras de expressão frente a esse momento difícil, turbulento e enganoso,
onde todos fazem das redes sociais a sua própria tribuna. Todos querem falar, e
isso é democracia. Esperar equilíbrio, coerência e discernimento de tudo e
todos seria impossível.
Entendo que uma lufada de esperança
apareceu para nós brasileiros com a chegada da operação Lava Jato, que já
conseguiu fatos inéditos e extraordinários no âmbito da justiça para muitos
daqueles que eram antes intocáveis. Aos poucos pudemos assistir e mesmo
vivenciar uma nova consciência de cidadania em muitos indivíduos que como eu,
nunca deram muita atenção à vida política.
As experiências coletivas sempre
acabam por nos transmitir algo relevante, e que vão bem além daquilo que os
cinco sentidos podem depreender em nosso pragmático cotidiano. Falo assim sobre
esse nosso “Zeitgeist” brasileiro,
que hoje move sonhos e paixões de forma passional e bastante positiva. Ao
participar de inúmeras passeatas pró-Brasil, sempre me chama a atenção a verve
das pessoas, a resposta emocional de cada um, seja em sua roupa, adereços,
cartazes, palavras de ordem do dia. Tudo é muito vibrante, seja no olhar cúmplice,
na selfie compartilhada, nos abraços,
no respeito ao canto do hino nacional. É bom aprender a amar nosso país, uma
vez que o pertencimento faz parte de nossas necessidades mais profundas, intrínsecas
e arquetípicas: família, lar, pátria, raízes. (Aqueles que por um motivo ou
outro moram ou estão fora de seu país de origem o sabem bem).
Nas passeatas está estampada de
forma inequívoca a esperança. Ela está nas roupas verdes e amarelas, nas
bandeiras de todos os tipos e tamanhos; está nas crianças, nas famílias ali
presentes, nos adolescentes, nos adultos,
nos idosos até em cadeira de rodas, nas pessoas de todas as classes sociais.
Naquele grande asfalto está toda a diversidade de tipos humanos, juntos numa
espécie de oceano de emoções e desejos não muito escondidos. Há uma atmosfera de
alegria que é difícil descrever, mas creio que tem a ver a com a seguinte
percepção: “não estou sozinho” ou “não estamos sós em nossas reivindicações”.
No mito grego de Epimeteu e
Pandora, sabemos que esta curiosa e inadvertidamente abriu a caixa de havia
recebido de Zeus, mesmo sabendo que seu cunhado Prometeu a tivesse aconselhado
a não abri-la. Foi nesse instante da abertura que saíram e se espalharam pelos
quatro cantos do mundo todas as maldades da humanidade: dores, misérias,
doenças, insanidades, mentiras, corrupção, velhice e catástrofes. Rapidamente
Pandora a fechou e a única coisa que lá ficou escondida ou guardada foi a esperança.
Ainda que muitos digam: Ah, isso
é só um mito, eu devo dizer: ainda bem que nós os temos, pois essas narrativas
estão há milênios sempre vivas e pulsantes em cada um de nós. Se assim não
fosse, a “ Pandora” ou a esperança dentro de nós, possivelmente não mais
lutaríamos por nada. A vida é feita de sobressaltos, perdas inexoráveis. E também
de alegrias, conquistas e superações. Apesar de tudo, de todos e de nós mesmos,
frágeis, inacabados, erráticos e imperfeitos, seguimos lutando.
A cada dia vivido, a esperança é
novamente guardada na “ caixinha” do nosso coração; sem ela como viver? Não me
refiro à esperança como o verbo esperar, mas sim como a “fé construtiva”, ou “o
sonho que age”, o fogo vital da vontade criativa que nos move continuamente, em
nossos altos e baixos, erros e acertos, em direção a futuras realizações.
OBS: Zeitgeist vem do alemão, que significa “ o espírito de uma época”.
Comentários