HOMO HOSTILIS - A PSIQUE GUERREIRA


                                                                                                                                                                          Assombrados com guerras e violência sem fim entre nós mesmos é impossível não nos perguntarmos: o que isto significa? Existe realmente algum propósito em vidas ceifadas desta maneira? Onde e quando morreu a razão humana? Somos intrinsecamente doentes?

Reproduzo alguns trechos do  ótimo artigo de Sam Keen, " O criador de inimigos", do livro 
" Ao encontro da sombra" (*)

" Nós, seres humanos, somos Homos Hostilis ( homem hostil), a espécie hostil, o animal que fabrica inimigos. Somos levados a fabricar um inimigo como um bode expiatório para carregar o fardo da inimizade que reprimimos. Do resíduo inconsciente da nossa hostilidade, criamos um alvo; dos nossos demônios particulares, conjuramos um inimigo público. E, mais que tudo, talvez as guerras em que nos envolvemos sejam rituais compulsivos, dramas da sombra nos quais continuamente tentamos matar aquelas partes de nós mesmos que negamos e desprezamos.
Nossa melhor esperança de sobrevivência está em mudar o modo como pensamos os inimigos e a guerra. Em vez de sermos hipnotizados pelo inimigo, precisamos começar a observar os olhos com os quais vemos o inimigo. Vamos agora explorar a mente do Homo hostilis: vamos examinar em detalhes a maneira como fabricamos a imagem do inimigo, como criamos um superávit do mal, como transformamos o mundo num campo de matança. Parece improvável que alcancemos qualquer sucesso no controle da guerra a menos que cheguemos a compreender a lógica da paranóia política e o processo de criação de propaganda que justifica a nossa hostilidade. Precisamos tomar consciência daquilo que Carl Jung chamou de " sombra". Os heróis e líderes pacifistas do nosso tempo serão aqueles homens e mulheres com coragem  para mergulhar nas travas no fundo da psique pessoal e coletiva, e enfrentar o inimigo interior. As psicologias de profundidade nos presentearam com a inegável sabedoria de que o inimigo é construído a partir de aspectos reprimidos do self.
Portanto, o mandamento radical " Ama a teus inimigos como a ti mesmo" indica o caminho tanto para o auto conhecimento quanto para a paz. Na verdade, amamos ou odiamos os nossos inimigos na mesma medida que amamos ou odiamos a nós mesmos. Na imagem do inimigo, encontraremos o espelho no qual podemos ver a nossa própria face com a máxima clareza....

A sociedade molda a psique e vice-versa. Portanto, temos que trabalhar para criar alternativas psicológicas e políticas à guerra, mudando a psique do Homo hostilis e a estrutura das relações internacionais. Ou seja, trata-se tanto de uma heróica jornada no self quanto de uma nova forma de política compassiva. Não temos nenhuma chance de reduzir as guerras a não ser que observemos as raízes psicológicas da paranóia, da projeção e da propaganda; a não ser que deixemos de ignorar as cruéis práticas de educação dos jovens, as injustiças, os interesses especiais das elites no poder, os históricos conflitos raciais, econômicos e religiosos, e as intensas pressões populacionais que sustêm o sistema da guerra.......

O Homem hostilis é incuravelmente dualista, um maniqueu moralista:

Nós somos inocentes
    Eles são culpados
Nós dizemos a verdade  - informamos
   Eles mentem - usam propaganda.
Nós apenas nos defendemos.
    Eles são agressores.
Nós temos um departamento de defesa,
    Eles tem um departamento de guerra.
Nossos mísseis e armamentos destinam-se a dissuadir,
   As armas deles destinam-se a atacar primeiro.....

Porque dramatizarmos o guerreiro da batalha interior que luta contra a paranóia, as ilusões, a auto-indulgencia, a culpa e a vergonha infantis, a indolência, a crueldade, a hostilidade, o medo, a reprovação, a falta de sentido?Por que a sociedade reconhece e celebra a coragem daqueles que lutam contra as tentações demoníacas do self, que empreendem uma guerra santa contra tudo o que é mau, distorcido, perverso e ofensivo no self?

Se queremos a paz, cada um de nós precisa começar a desmistificar o inimigo; deixar de politizar os eventos psicológicos; reassumir sua sombra; fazer um estudo complexo das mil maneiras pelas quais reprimimos, negamos e projetos o nosso egoísmo, crueldade, avidez, etc. sobre os outros; e conscientizar-se da maneira pela qual inconscientemente criamos uma psique guerreira e perpetuamos as muitas formas de guerra".

SAM KEEN


Livro: Ao encontro da sombra - O potencial oculto do lado escuro da natureza humana
Connie Zeig e Jeremiah Abrams ( orgs)
Editora Cultriz

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