A BARRIGA DA BALEIA
“ A idéia de que a passagem do
portal mágico é uma transição para uma
esfera de renascimento está simbolizada na universal imagem uterina da “
barriga da baleia”. O herói em vez de conquistar ou conciliar o poder do portal
mágico, é engolido pelo desconhecido e, aparentemente morre.
“Mishe-Nahma, o Rei dos Peixes,
Projetou-se, em sua ira, à tona d’água,
Escamas rebrilhando à luz do sol,
Escancarou a enorme mandíbula
E engoliu a canoa e Haiwatha”.
Os esquimós do estreito de
Behring contam a lenda do ardiloso herói Raven: um adia, ao secar suas roupas
na praia, ele viu uma baleia nadando calmamente perto da rebentação. Gritou: “
Da próxima vez que subir para respirar, minha querida, abra a boca e feche os
olhos” Esgueirou-se rápido para dentro de suas roupas negras, colocou a sua
máscara negra, apanhou algumas achas de lenha sob o braço e voou por sobre as
águas. A baleia veio à tona, e como ele havia sugerido, abriu a boca e fechou
os olhos. Raven precipitou-se pela mandíbula escancarada e foi-se garganta
adentro. A baleia, espantada, fechou depressa a boca e mergulhou. Raven ficou
dentro dela e olhou em volta”.
... FinnMacCool, herói irlandês,
foi engolido por uma monstro de forma indefindida- conhecido no mundo celta, como peist. Chapéuzinho Vermelho, a garotinha
do conto de fadas alemão, foi engolida pelo lobo. O amado herói polinésio,
Mauí, foi engolido por sua tataravó, Hine-nui-te-po. E o panteão dos deuses
gregos, com a única exceção de Zeus, foi engolido pelo pai, Cronos.
Hércules, o herói grego, ao
passar por Tróia na sua jornada de volta à pátria com o cinturão da rainha das
Amazonas, foi informado de que a cidade estava sendo assolada pelo monstro que
Poseidon, deus do mar, enviara contra ela. A besta vinha `a terra e devorava os passantes na planície.
O rei acabara de amarrar sua bela filha Hesíone nos rochedos do mar, como em
sacrifício propiciatório. O grande herói aceitou um preço para salvá-la. Quando
o monstro emergiu à superfície das águas e escancarou a sua enorme boa,
Hércules mergulhou dentro da sua garganta, abriu caminho a golpes de espada
pela sua barriga e o matou.
A popularidade desse tema
enfatiza o ensinamento de que a passagem do portal mágica é uma forma de
auto-aniquilação. Fica e vidente sua semelhança com a aventura dos Argonautas nos rochedos móveis das
Simplegadas. Mas aqui, em vez de sair para o exterior e ultrapassar os confins
do mundo visível, o herói vai para o interior de algo a fim de renascer.
Seu desaparecimento corresponde à
entrada do devoto no templo onde será
estimulado pele lembrança de quem e do que é ( ou seja, pó e cinzas), a menos
que seja imortal. O interior do templo a barriga da baleia- e a região celeste
e além, acima e abaixo dos confins do mundo, são uma única coisa.
É por isso que os acessos e entradas
dos templos são flanqueados e defendidos por imensas gárgulas: dragões, leões,
matadores de demônios com a espada desembainhada, anões rancorosos e touros
alados. Eles são guardiões do portal e sua função é afastar os incapazes de encontrar os silêncios mais
profundos do interior do templo.
São personificações que nos
preparam para o aspecto perigoso da Presença e correspondem aos ogros
mitológicos que delimitam o mundo convencional, ou às duas fileiras de dentes
da baleia. Eles ilustram o fato de que o
devoto, no momento em que entra no templo, passa por uma metamorfose.
Seu caráter secular fica no lado de fora; o devoto o despe, assim como a cobra abandona sua pele. Uma vez
no interior do templo, pode-se dizer que o devoto morreu para dimensão temporal
e retornou ao útero do Mundo, ao Umbigo do Mundo, ao Paraíso Terrestre.
O significado dos guardiões do
templo não é anulado pelo fato de que é possível a qualquer pessoa, em termos
físicos, passar por eles; pois se o intruso for incapaz de “sentir” o
santuário, ele, para todos os efeitos, não entrou no templo. Aqueles que são
incapazes de compreender um deus, o vêem como um demônio e, assim, se protegem
de sua aproximação. Em termos alegóricos, portanto, a entrada no templo e o
mergulho do herói através da mandíbula da baleia são aventuras idênticas; ambas
denotam, em linguagem figurada, o ato de centrar e renovar a vida”.
Joseph Campbell em: Ao
encontro da Sombra- o potencial oculto
do lado escuro da natureza humana, Connie Zweig e Jeremiah Abrams ( orgs)
Editora Cultrix, São Paulo
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