MENINOS NAS CAVERNAS


Por Tereza Kawall
Diariamente ouvimos notícias dramáticas que envolvem crianças, estejam elas em suas salas de aula aqui no Brasil, em travessias marítimas arriscadíssimas em processos migratórios humilhantes, ou em meio de cidades devastadas por guerras insanas no Oriente Médio. As imagens devastam também a nossa fé na humanidade. Ao que parece a estupidez humana vem andando no sentido inverso da extraordinária evolução tecnológica que assistimos nos últimos dois séculos. Quem pode entender esse homem das cavernas em pleno século 21?


Mas quero voltar às crianças, e em especial aquelas encontradas nas cavernas da Tailândia, que estavam desaparecidas há muitos dias, sem luz, água ou alimentos. Estavam vivas e para nossa surpresa, algumas estavam sorridentes. O seu longo e complexo resgate foi acompanhado com muita comoção pelo mundo todo. Como não torcer por aqueles 12 meninos e seu treinador? Todos puderam ver um espetáculo de solidariedade humana, que somada à engenhosa tecnologia foi multiplicada pela coragem e empenho dos voluntários que chegaram de diferentes países, e num esforço hercúleo deram tudo de si para recuperar aquelas vidas.

 Cenas emocionantes nos foram apresentadas em capítulos televisivos. Chuvas, pedras, lama, águas turvas, os cabos que guiavam os mergulhadores que carregavam oxigênio e alimentos. Orações fervorosas, máquinas trabalhando sem parar, a espera por notícias angustiante. Todos esperavam por um milagre; e ele aconteceu!
Muito se comentou do aspecto espiritual que envolveu esse “milagre”, pois o treinador responsável pelos meninos ( ex-monge budista) ensinou a eles técnicas de meditação para que pudessem superar o pânico, o stress, a fome, o desconforto, o medo, a ruptura brutal com vida cotidiana e familiar, enfim, uma situação limite para qualquer ser humano.
Já antes de seu final feliz me perguntava: mas afinal o que mais estava em jogo naquele evento dramático? Porque ele mexeu tanto com emoções de milhares de pessoas nos quatro cantos do planeta?
Com essa pergunta no coração, me reportei aos temas míticos que se encontram em estado latente em nosso imaginário coletivo ancestral e que faz parte de inúmeras culturas ditas “primitivas”. Esses temas fazem parte da psique de toda a humanidade, e montam aquilo que chamamos de Inconsciente Coletivo. Ele é a nossa matriz histórica, anímica, racial, cultural e espiritual. Nele encontramos imagens fantásticas, histórias criadas pelo espírito criativo dos seres humanos, e entre elas os mitos, os temas folclóricos, os contos de fadas. Estes últimos com sua aparente simplicidade muito nos falam dos processos que se passam na nossa psique coletiva.
Essas representações imagéticas são os arquétipos, estruturas simbólicas, comuns a todos nós. Essas idéias ou imagens estruturantes retratam,  em diferentes culturas ou civilizações e de forma muito parecida, os temas fundamentais da vida humana, como morte e nascimento, sombra e luz, nascimento, amor, casamento, sofrimento e superação, e tantos outros. Temos como os mais familiares o arquétipo do curador, do sábio, do herói, da Grande Mãe, etc.

Quem não se lembra das histórias da infância, das aventuras de Pinóquio preso dentro da barriga de uma enorme baleia? Ou de Chapeuzinho Vermelho, que deveria atravessar a floresta para ver sua avó,  mas que havia sido engolida pelo faminto Lobo Mau? Ou do conto de João e Maria, abandonados e perdidos numa floresta, às voltas com uma bruxa malvada que queria cozinhá-los dentro do seu caldeirão?

Da mitologia grega, temos também o mito de Hércules que recebeu a  difícil incumbência de matar a Hidra de Lerna, um monstro fétido com nove cabeças e que vivia dentro de uma caverna escura e pantanosa.
E não seria o fio do mito de Ariadne e o Minotauro, que a conduziu pelo labirinto, o mesmo cabeamento que permitiu aos mergulhadores entrar na caverna escura para depois voltar em segurança, com os 12 meninos vivos?

E foi assim que renasceram os doze “ Javalis Selvagens” e seu tutor, passando pelo escuro e úmido ventre da Mãe Terra, Gaia, para alcançar a luz do dia. Quase adormecidos, voltaram para a vida por caminhos estreitos e sinuosos, e guiados por heróis ou anjos que sempre vem em nossa ajuda quando são solicitados.
O tema do renascimento nos permite prospectar nossa vida a partir de um novo olhar ou patamar de consciência, repensar nossos valores essenciais num contexto mais espiritual. Nos fala da capacidade de sobreviver aos embates, tristezas e traumas da existência.

Essas imagens primordiais e universais são dinâmicas, vivas e fascinantes. E por isso mesmo se atualizam dentro de nós com novas roupagens, formas e contextos. Às vezes ficam esquecidas....mas estão sempre lá.
 Essas imagens dos meninos meditando dentro da caverna e depois renascidos, reacendem em nós a chama da esperança no ser humano, apesar de tudo, de todos e, sobretudo, de nós mesmos.

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