DOR DA ALMA
“ Queria acrescentar que a alma
doída adquire uma força, uma radicalidade surpreendente em sua maneira de se
expressar e entender as coisas. É como se, por sofrer, a alma se tornasse mais
ousada e mais corajosa nos comentários que tem a fazer sobre este mundo, suas
desgraças, verdades e belezas. A dor a torna mais eloqüente, mais penetrante,
mais surpreendente e esse seu modo de falar, podemos reconhecer em escritores,
artistas, pensadores, inovadores de todos os tipos. Não é uma eloquência
retórica, não é um uso das palavras ou das emoções usadas para discutir
argumentos usuais, mas é como que uma subversão da maneira de se considerar
coisas costumeiras.
Parece que alma, ferida, ao mesmo tempo fica forte naquilo
que declara; é como se isso ganhasse não uma legitimidade, mas espaço, acesso
para abordar temas que não costumam ser abordados. Então, esse é um dos efeitos
desse mistério que busco formular e por isso se justifica que uma terapia dê
valor à dor. Porque poderia ser dito: isso é um viés depressivo da terapia, ou
um gostar da dor. O que estou dizendo é exatamente o oposto. É que essa
dificílima relação com a própria dor ou com a alheia promove inovações. E como
venho repetindo, a mim interessam as inovações do conhecimento e do discurso da
alma – distinto daquele proferido pelo intelecto e pela razão.
A razão e o intelecto podem
ancorar a expressão da alma; mas a origem dessa expressão está nela mesma, e
não nos primeiros. Essa força penetrante advém do fato de que só a alma que
habitou o Hades consegue lançar luz sobre obscuridades que a luz da razão não
ilumina. Sua luz é outra. É como se a alma que sofreu adquirisse o poder de se
iluminar a si mesma, para se revelar. O que ela faz é apenas revelar-se; o
resto, é com a gente.
Quer dizer: a alma somos nós. Mas quando se revela, é o
nosso ego, é a nossa consciência, é o nosso humano, demasiadamente humano que
tem a tarefa de fazer alguma coisa com o que foi revelado, ou a revelação se
perde. A revelação é dada, ela é um dom.
Pois ouso dizer que a origem do dom é a dor”.
Roberto Gambini em “ A voz e o
Tempo” – Reflexões para jovens terapeutas”
Ateliê Editorial, 2008, São
Paulo.
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