A ESPERANÇA VIVE

                                                                            

Pandora carregada por Hermes

Por Tereza Kawall


Querendo ou não, somos diariamente atropelados por algumas palavras ou expressões que teimam em ocupar a nossa mente: polarização, sustentabilidade, planetário, corrupção, violência, implosão, empatia, gênero, corrupção, complexidade, intolerância, erosão de valores, democracia, transparência....
 Pergunto-me: como seria fazer um bolo com todos esses ingredientes? O que adicionar primeiro, sal ou açúcar? Quanto tempo ficaria ele no forno, e em qual temperatura? Deveria cobri-lo com frutas, uma calda? Porem ao ficar pronto seria provavelmente seco e indigesto e certamente não tiraria a fome crescente que temos, dia após dia, de um pouco mais de paz, segurança, coerência e perspectiva de futuro.
 As notícias vêm e vão, as conquistas já feitas pelo bem comum ora avançam, ora retrocedem, segundo a ótica de cada um. A tal da verdade mais se parece com uma geléia estranha com todas as cores e com sabor agridoce.
Todos têm a sua opinião, “acham” alguma coisa, mas pouco sabem a respeito de tudo. Alguns parecem ser uma espécie de “procuradores de Deus na terra” donos da palavra final que reverbera ao som de trombetas, e com direito a raios e trovões divinos.

Em nosso país, e com razão, todos estão estarrecidos, irados com a crescente consciência de que tudo está por um fio. A classe política há tempos virou as costas para a população e mais recentemente só legisla contra o povo, sem nenhum escrúpulo. Estamos mesmo no fio da navalha? O futuro é algo indelével e nem os melhor dos videntes se arriscaria a prever algo olhando a sua bola de cristal.
Muitos dirão: o planeta vai mal, é uma questão mundial, a insegurança e a violência estão por todos os lados. Devo concordar, muito embora saibamos que esses índices por aqui são escabrosos. A consciência de tanta deterioração por vezes tem uma função de um gás paralisante, porém é temporária.

Podemos alcançar na memória o mito de Pandora que casada com Epimeteu, recebeu dele uma caixa de presente que havia sido enviada por Zeus. Pandora já fora alertada pelo marido de que não deveria abrir essa caixa. Mas sucumbiu a sua curiosidade e fez exatamente o contrário. Ao tirar a sua tampa, dela escaparam e se espalharam pelo mundo todos os males físicos e espirituais: as doenças, a inveja, os vícios, a fome, o frio, a guerra, as perdas. No entanto no fundo da caixa ficou preservada a esperança. Seria a esperança o grande antídoto para as dores e sofrimentos da vida? O homem precisa dela, apesar das frustrações e desapontamentos para superar a dor, e encontrar um sentido para a vida?

Diz Junito Brandão sobre esse mito:
“ As desgraças, porém, despejaram-se pelo mundo; resta, todavia, a Esperança, pois afinal a vida não é apenas infortúnio: compete ao homem escolher entre o bem e o mal. Pandora é, pois, o símbolo dessa ambiguidade em que vivemos”.

Olho para nosso planeta em constante ebulição, cheio de guerras e injustiças de toda ordem Não sou historiadora, mas de relance, me parece que sempre foi assim, a violência do homem contra ele mesmo, as perseguições políticas e religiosas, suas matanças indiscriminadas através dos séculos, epidemias, cataclismos e a macabra desigualdade social. Duas guerras mundiais não nos ensinaram muita coisa sobre o absurdo daquilo que são, e da miséria psíquica e social que elas acarretam, anos a fio. Ainda que falemos constantemente na paz, nos preparamos ininterruptamente para a guerra.
Mas vejo com bons olhos essa ponta de esperança, que mesmo frágil ou meio esquecida, ainda pulsa no coração de milhões de pessoas no mundo que vibram e estão comprometidas com a  construção de uma realidade menos nefasta.

 São aqueles que amam e protegem animais, domésticos ou selvagens, a qualquer preço. São os ambientalistas sérios; mestres ou professores que nos ensinam que a espiritualidade e a consciência do ser é o que realmente importa. E há também os curadores, que não divergem quando o assunto é a necessidade do perdão ( para nós mesmos e os outros) e de mudanças de padrões psicológicos que ficaram incrustados em nossa memória emocional. E por trás de tudo isso está o poder do Amor.
Temos também os músicos, bailarinos, poetas, atores, escritores, artistas de todos os segmentos, sempre fiéis aos seus princípios éticos, à sua criatividade e loucura. E temos ainda os sonhadores, visionários, e médicos voluntários que se doam generosamente, em silencio, a milhares de pessoas pelo mundo, em troca de um olhar de gratidão.
As belas hortas urbanas, a agricultura familiar e as energias solar e eólicas vieram para ficar. Ciência e religião já conversam pacificamente.  A medicina complementar faz parte de nosso dia a dia. As linguagens simbólicas nada devem ao mundo racional e empírico, que fundamentam as caríssimas pesquisas de laboratórios.

Lembro-me agora do falecimento de Frans Krajcberg, que nos deixou um legado de inspiração inegável para as gerações futuras. Sua visão de mundo, seu amor absoluto pelas árvores, florestas e pela natureza em geral. Nele e em todos esses sonhadores de plantão estarão sempre encarnados o profundo amor por tudo o que vice, a obra do Criador. Obra essa que pode ser uma flor, uma pedra, uma estrela, uma concha, a lua, a criança, um gato, a montanha, a lagarta, a nuvem, o canto dos pássaros ao amanhecer. Tudo em profunda conexão, como nos revela a Anima Mundi, dos antigos alquimistas.
Sim, creio que a esperança, ainda que meio esquecida ou desidratada, está viva nos corações de tantas e tantas pessoas pelo mundo afora, que na ponta dos pés vislumbram um futuro para nosso século XXI. Vamos resistir, temos que resistir!

Extraído do livro: Mitologia Grega, Volume I

Junito Brandão, Editora Vozes, 1986.

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