BRASIL: UM OLIMPO EM DECADÊNCIA

Por Tereza Kawall

Já disse alguém uma vez: “ Mito é uma história que nunca aconteceu, mas está sempre acontecendo”.
O que há de verdade nisso? Ao que parece, para um olhar mais distraído e imediatista, nada. Para um olhar mais reflexivo e abrangente, tudo.
O Brasil, nosso promissor e amado pais é realmente pródigo em desacontecimentos. Desde minha infância ouço que somos o país do futuro e com o passar dos anos fica claro que a premissa em questão é no mínimo, equivocada. Não poderia fazer nenhum tipo de análise sócio-político-econômica a esse respeito, pois não tenho conhecimentos para tal tarefa.

Assim, me detenho aos fatos de forma mais subjetiva, no intuito de tentar entender o que se passa no âmago da psique daqueles que, uma vez instalados no poder, de lá nunca mais querem sair. Que “ osso” é esse tão saboroso que ninguém pode largar? Como vivem esses seres humanos, será que têm remorso ou culpas por inviabilizar a vida de milhões de pessoas de diferentes maneiras? Encastelados em seu “Olimpo imaginário”, voando de jatinhos de lá prá cá, em seus carros pretos blindados, cercados de seguranças e salários milionários, moram em mansões e vivem com semi-deuses em seus mundos paralelos. Desconectados da realidade de nós pobres mortais que temos que nos contentar com suas promessas vazias e de quebra, pagar seus gordos salários.

Nosso noticiário parece transbordar diariamente com notícias tristes e chocantes, em que todo o tipo de violência acontece contra animais, a natureza, crianças, mulheres e os “ diferentes” em geral. A espécie humana involuiu?
Ou este aparente retrocesso civilizatório é o resultado da eficiência e da rapidez das mídias digitais, as quais temos acesso instantâneo?
Não saberia dizer, mas talvez por fazer parte de uma geração que  dormiu no sleeping bag e sonhou por um mundo mais pacífico e justo, afirmo: que decepção!! Onde foram enterradas as nossas bandeiras de amor ao próximo, do respeito à natureza, da negação das guerras estúpidas e do consumo desenfreado? Custo a crer que essas sementes eram devaneios de juventude  e que não produziram nenhum fruto. A bala que tirou a vida de John Lennon há quase 40 anos atrás, também matou nossos sonhos? Eles eram ingênuos demais, suponho.

Mas, devo e quero voltar a minha realidade imediata, ou seja, viver em um país em que a corrupção é sistêmica, profunda e mais se parece com um animal selvagem e indomável. Suas garras são afiadas e seu instinto de sobrevivência devora tudo e todos que se oponham a ele, especialmente quando acuado. Os estudiosos afirmam que a cultura da propina e da corrupção chegou aqui com as caravelas portuguesas.

Se isso se dá dentro de um processo histórico e longínquo, acabo então por revisitar as  matrizes antigas que montam a nossa cultura no ocidente, e assim me deparo novamente com as narrativas da exuberante mitologia grega, que tanto tem a nos oferecer. Elas nos falam da natureza humana de forma muito criativa, e não há como não se encantar com seus personagens, enredos sofisticados e mirabolantes, que tão bem definem a nossa complexa natureza humana, nossa existência. Nos mitos gregos estão desenhadas nossas aspirações, temores, desejos, paixões, conquistas e fracassos que nos transportam para uma realidade por vezes insuportável: nós mesmos. Nossos deuses, nossos heróis e heroínas cruzam mares bravios, matam feiticeiras e dragões flamejantes, se perdem em labirintos e florestas indevassáveis, fazem guerras e se matam em nome da honra e de paixões proibidas. No final das batalhas e conquistas haveria algum perdão ou redenção para seus atos?

Na mitologia grega havia um tema  relevante que os gregos chamavam de húbris, que significa “ descomedimento”. E é a partir desse conceito que faço uma analogia, uma relação com o que estamos vivenciando em relação ao nosso mundo político.
A húbris era a ação humana que não tinha medidas, nem limites, baseada na confiança excessiva, ganância, na presunção e na arrogância do poder pessoal; uma forma de transgressão contra a ordem social e contra os deuses imortais. O individuo que não respeitasse esses limites, seria duramente castigado pela ação divina. Nessa visão, nenhum mortal poderia desafiar os deuses, ou querer suplantá-los em força, beleza, inteligência ou poder. Essa transgressão era intolerável e ele seria punido com severidade pela deusa chamada Nêmesis. Ela representava a justiça distributiva, que punia os culpados pelas injustiças praticadas. Entre os castigados conhecidos destas narrativas, temos os mitos de Ixion, Sísifo e Prometeu. A húbris era uma espécie de pecado mortal, imperdoável e inaceitável.

Importante ressaltar que a nossa húbris civilizatória pode ser de natureza moral, ecológica, e mesmo científica ou tecnológica. Todos os excessos humanos de uma forma ou de outra são punidos. De forma bastante clara, freqüentemente assistimos desastres ambientais e as conseqüências das alterações climáticas que são sempre dramáticas para as classes sociais menos favorecidas, em todo o planeta.
Em nossa sociedade contemporânea paira hoje uma densa sombra que é pessoal e coletiva.
Na psicologia analítica de Carl G Jung,  o conceito de sombra é a expressão de tudo aquilo que é sombrio em nós: a crueldade, a hipocrisia, a perversidade, a ganância sem limites, o egoísmo, a frieza,  o preconceito, o abuso de poder em todas as suas dimensões.


O que estamos assistindo no Brasil atual, em paralelo com a mítica grega é que os desmandos, a frieza e o oportunismo irresponsável dos mandantes do país chegaram a pontos inaceitáveis e finalmente se deparam  com a força da justiça ou da deusa Nêmesis. A húbris embutida em todas as formas de corrupção deverá se submeter ao seu poder, e isso significa humilhação, perda de status e causa espanto naqueles que nunca imaginaram que isso aconteceria.

Nosso destino e nosso futuro duramente espoliados,  não deverão mais estar subjugado aos desmandos de poucos, que lá do alto de seu “ Olimpo imaginário”, agem como soberanos, que há muito esqueceram das mazelas e carências múltiplas de nós mortais, com a ousadia  de se intitularem, pasmem, de seres “ supremos”.
É o que todos esperamos e sonhamos,  mais justiça, igualdade de direitos e uma nova ética que possam pavimentar novos caminhos para nossos filhos e netos. Eu não quero morar em outro país, quero morar em outro Brasil.

Pata terminar, transcrevo um texto de um excelente livro, intitulado: “Ao encontro da sombra”, organizado por Connie Zweig e Jeremiah Abrams, da editora Cultrix.
   “ Hoje em dia defrontam-nos com o lado escuro da natureza humana toda vez que abrimos um jornal  ou ouvimos um noticiário. Os efeitos mais repulsivos da sombra tornam-se visíveis na esmagadora mensagem diária dos meios de comunicação, transmitida em massa para toda a nossa aldeia global eletrônica. O mundo tornou-se um palco para a sombra coletiva.

A sombra coletiva- a maldade humana – nos encara de praticamente todas as partes: ela salta das manchetes para os jornais; vagueia pelas nossas ruas, e, sem lar, dorme no vão das portas; entoca-se nas chamativas sex-shops das nossas cidades; desvia o dinheiro do sistema de financiamento habitacional; corrompe os políticos famintos de poder e perverte o sistema judiciário; conduz exércitos invasores através de densas florestas e áridos desertos; vende armamentos a líderes ensandecidos e repassa os lucros a insurgentes revolucionários; por canos ocultos, despeja poluição em nossos rios e oceanos; com invisíveis pesticidas envenena o nosso alimento.

Essas observações não constituem algum novo fundamentalismo a martelar uma versão bíblica da realidade. Nossa época fez, de todos nós, testemunhas forçadas. O mundo todo nos observa. Não há como evitar o assustador espectro de sombras satânicas mostrado por políticos coniventes, os colarinhos brancos criminosos e terroristas fanáticos. Nosso anseio interior por integração – agora tornado manifesto na máquina de comunicação global – força-nos a enfrentar a conflitante hipocrisia que hoje  está em toda parte”.

Imagem: Olimpo, de Luigi Sabatelli, 1819
Cedida por : Douglas Marnei


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