BRASIL: UM OLIMPO EM DECADÊNCIA
Já disse alguém uma vez: “ Mito é
uma história que nunca aconteceu, mas está sempre acontecendo”.
O que há de verdade nisso? Ao que
parece, para um olhar mais distraído e imediatista, nada. Para um olhar mais
reflexivo e abrangente, tudo.
O Brasil, nosso promissor e amado
pais é realmente pródigo em desacontecimentos. Desde minha infância ouço que
somos o país do futuro e com o passar dos anos fica claro que a premissa em
questão é no mínimo, equivocada. Não poderia fazer nenhum tipo de análise
sócio-político-econômica a esse respeito, pois não tenho conhecimentos para tal
tarefa.
Assim, me detenho aos fatos de
forma mais subjetiva, no intuito de tentar entender o que se passa no âmago da
psique daqueles que, uma vez instalados no poder, de lá nunca mais querem sair.
Que “ osso” é esse tão saboroso que ninguém pode largar? Como vivem esses seres
humanos, será que têm remorso ou culpas por inviabilizar a vida de milhões de
pessoas de diferentes maneiras? Encastelados em seu “Olimpo imaginário”, voando
de jatinhos de lá prá cá, em seus carros pretos blindados, cercados de
seguranças e salários milionários, moram em mansões e vivem com semi-deuses em
seus mundos paralelos. Desconectados da realidade de nós pobres mortais que
temos que nos contentar com suas promessas vazias e de quebra, pagar seus
gordos salários.
Nosso noticiário parece
transbordar diariamente com notícias tristes e chocantes, em que todo o tipo de
violência acontece contra animais, a natureza, crianças, mulheres e os “
diferentes” em geral. A espécie humana involuiu?
Ou este aparente retrocesso
civilizatório é o resultado da eficiência e da rapidez das mídias digitais, as
quais temos acesso instantâneo?
Não saberia dizer, mas talvez por
fazer parte de uma geração que dormiu no
sleeping bag e sonhou por um mundo mais pacífico e justo, afirmo: que decepção!!
Onde foram enterradas as nossas bandeiras de amor ao próximo, do respeito à
natureza, da negação das guerras estúpidas e do consumo desenfreado? Custo a
crer que essas sementes eram devaneios de juventude e que não produziram nenhum fruto. A bala que
tirou a vida de John Lennon há quase 40 anos atrás, também matou nossos sonhos?
Eles eram ingênuos demais, suponho.
Mas, devo e quero voltar a minha
realidade imediata, ou seja, viver em um país em que a corrupção é sistêmica,
profunda e mais se parece com um animal selvagem e indomável. Suas garras são
afiadas e seu instinto de sobrevivência devora tudo e todos que se oponham a
ele, especialmente quando acuado. Os estudiosos afirmam que a cultura da
propina e da corrupção chegou aqui com as caravelas portuguesas.
Se isso se dá dentro de um
processo histórico e longínquo, acabo então por revisitar as matrizes antigas que montam a nossa cultura no
ocidente, e assim me deparo novamente com as narrativas da exuberante mitologia
grega, que tanto tem a nos oferecer. Elas nos falam da natureza humana de forma
muito criativa, e não há como não se encantar com seus personagens, enredos
sofisticados e mirabolantes, que tão bem definem a nossa complexa natureza
humana, nossa existência. Nos mitos gregos estão desenhadas nossas aspirações,
temores, desejos, paixões, conquistas e fracassos que nos transportam para uma
realidade por vezes insuportável: nós mesmos. Nossos deuses, nossos heróis e
heroínas cruzam mares bravios, matam feiticeiras e dragões flamejantes, se
perdem em labirintos e florestas indevassáveis, fazem guerras e se matam em
nome da honra e de paixões proibidas. No final das batalhas e conquistas
haveria algum perdão ou redenção para seus atos?
Na mitologia grega havia um
tema relevante que os gregos chamavam de
húbris, que significa “
descomedimento”. E é a partir desse conceito que faço uma analogia, uma relação
com o que estamos vivenciando em relação ao nosso mundo político.
A húbris era a ação humana que não tinha medidas, nem limites,
baseada na confiança excessiva, ganância, na presunção e na arrogância do poder
pessoal; uma forma de transgressão contra a ordem social e contra os deuses
imortais. O individuo que não respeitasse esses limites, seria duramente
castigado pela ação divina. Nessa visão, nenhum mortal poderia desafiar os
deuses, ou querer suplantá-los em força, beleza, inteligência ou poder. Essa
transgressão era intolerável e ele seria punido com severidade pela deusa
chamada Nêmesis. Ela representava a justiça distributiva, que punia os culpados
pelas injustiças praticadas. Entre os castigados conhecidos destas narrativas,
temos os mitos de Ixion, Sísifo e Prometeu. A húbris era uma espécie de pecado mortal, imperdoável e
inaceitável.
Importante ressaltar que a nossa húbris civilizatória pode ser de
natureza moral, ecológica, e mesmo científica ou tecnológica. Todos os excessos
humanos de uma forma ou de outra são punidos. De forma bastante clara, freqüentemente
assistimos desastres ambientais e as conseqüências das alterações climáticas
que são sempre dramáticas para as classes sociais menos favorecidas, em todo o
planeta.
Em nossa sociedade contemporânea
paira hoje uma densa sombra que é pessoal e coletiva.
Na psicologia analítica de Carl G
Jung, o conceito de sombra é a expressão de tudo aquilo que é sombrio em nós: a
crueldade, a hipocrisia, a perversidade, a ganância sem limites, o egoísmo, a
frieza, o preconceito, o abuso de poder
em todas as suas dimensões.
O que estamos assistindo no
Brasil atual, em paralelo com a mítica grega é que os desmandos, a frieza e o
oportunismo irresponsável dos mandantes do país chegaram a pontos inaceitáveis
e finalmente se deparam com a força da
justiça ou da deusa Nêmesis. A húbris
embutida em todas as formas de corrupção deverá se submeter ao seu poder, e
isso significa humilhação, perda de status e causa espanto naqueles que nunca
imaginaram que isso aconteceria.
Nosso destino e nosso futuro
duramente espoliados, não deverão mais
estar subjugado aos desmandos de poucos, que lá do alto de seu “ Olimpo
imaginário”, agem como soberanos, que há muito esqueceram das mazelas e
carências múltiplas de nós mortais, com a ousadia de se intitularem, pasmem, de seres “
supremos”.
É o que todos esperamos e
sonhamos, mais justiça, igualdade de
direitos e uma nova ética que possam pavimentar novos caminhos para nossos
filhos e netos. Eu não quero morar em outro país, quero morar em outro Brasil.
Pata terminar, transcrevo um
texto de um excelente livro, intitulado: “Ao encontro da sombra”, organizado
por Connie Zweig e Jeremiah Abrams, da editora Cultrix.
“ Hoje em dia defrontam-nos com o lado escuro da natureza humana toda
vez que abrimos um jornal ou ouvimos um
noticiário. Os efeitos mais repulsivos da sombra tornam-se visíveis na
esmagadora mensagem diária dos meios de comunicação, transmitida em massa para
toda a nossa aldeia global eletrônica. O mundo tornou-se um palco para a sombra coletiva.
A sombra coletiva- a maldade
humana – nos encara de praticamente todas as partes: ela salta das manchetes
para os jornais; vagueia pelas nossas ruas, e, sem lar, dorme no vão das
portas; entoca-se nas chamativas sex-shops das nossas cidades; desvia o dinheiro
do sistema de financiamento habitacional; corrompe os políticos famintos de
poder e perverte o sistema judiciário; conduz exércitos invasores através de densas
florestas e áridos desertos; vende armamentos a líderes ensandecidos e repassa
os lucros a insurgentes revolucionários; por canos ocultos, despeja poluição em
nossos rios e oceanos; com invisíveis pesticidas envenena o nosso alimento.
Essas observações não constituem
algum novo fundamentalismo a martelar uma versão bíblica da realidade. Nossa
época fez, de todos nós, testemunhas forçadas. O mundo todo nos observa. Não há
como evitar o assustador espectro de sombras satânicas mostrado por políticos
coniventes, os colarinhos brancos criminosos e terroristas fanáticos. Nosso
anseio interior por integração – agora tornado manifesto na máquina de
comunicação global – força-nos a enfrentar a conflitante hipocrisia que hoje está em toda parte”.
Imagem: Olimpo, de Luigi Sabatelli, 1819
Cedida por : Douglas Marnei
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